Texto Teatral
1- tema:
·
Pretende-se
com esta temática, das acessibilidades mobilidade e diversidade extensível ao
mundo animal, combinar as consciências cívica e ecológica, reunindo-se assim um
verdadeiro sentido humanista e universal
2 – Ideia:
·
(O capuchinho vermelho e o lobo disfuncional)
construída e recriada a partir da história do capuchinho vermelho
·
História
banal de criança que sai de casa, com intenção de levar um recado à sua avó,
todavia no trajeto passa pela floresta, tem um encontro inesperado com um
animal, do qual faz nascer uma nova perceção sobre a vida e os valores
ambientais, que provocam na protagonista um salto qualitativo na sua maturidade
e autonomia pessoal.
4- Sinopse: História do Capuchinho Vermelho e do Lobo Disfuncional
O Capuchinho Vermelho habitava na linha de
fronteira, entre uma cidade e um arvoredo. Vivia e convivia com ambos. Todavia
era no bosque que se sentia em casa. Adorava visitar sua avó, muito pelo prazer
de atravessar as matas. Respirar seus aromas, apreciar suas cores.
Na hora da despedida, sua mãe nunca se esquecia das últimas recomendações:
-
Não te esqueças de levar os comprimidos para a garganta, e não saias do trilho
sinalizado, a floresta tem alguns perigos, que podem trazer surpresas
desagradáveis.
-
Ora ora, minha mãe eu já sou crescidinha, sei muito bem orientar-me. Perigos
tem a cidade. Na floresta não há stress, nem poluição.
-
Oxalá tudo te corra bem.
No seu passo seguro e decidido, já se tinha ocultado pela vegetação adentro, quando ouviu uns passos desordenados atrás de si. Voltou-se para todos os lados e não via ninguém, até que ouviu uma voz rouca e constipada que sussurrava:
-
Olá capuchinho vermelho.
-
Olá, mas quem és tu?
-
Sou um lobo, não se vê logo pelo meu perfil ?
-
Adeus, estou com pressa, não falo para estranhos.
-
Porquê?
-
Ora, porque posso ter surpresas desagradáveis.
-
Mas eu não sou desagradável, nem estranho. Moro por aqui há mais de dez anos!
-
Mas eu não te conheço, tenho pressa e
estou cheia de sede.
-
Bem, se já nos falámos… já nos conhecemos, e se quiseres, mostro-te a minha
fonte onde poderás beber água cristalina.
-
Só se não for muito longe…
Com algumas reservas o capuchinho acabou por aceitar, mas sempre duvidosa do convite do seu mais recente “amigo”.
Quando lá chegaram o capuchinho ficou
desalentado, porque era preciso escalar uma rocha muito alta e escarpada, para
se abeirar da água que germinava da encosta. Não tinha acesso, só se voasse.
Então o lobo percebendo aquela falta de habilidade logo lhe sugeriu:
-
Salta para o meu dorso, e deixa-me resolver este problema.
E ela assim fez. Bebeu e ficou saciada. Na
descida o lobo escorregou na humidade da pedraria, bateu com o costado num
socalco de granito, ficando ferido e esfolado.
-
Ficaste maltratado? – Perguntou ela, preocupada.
-
É a minha pata traseira, do lado direito. Estou lesionado desde o verão
passado, quando assaltei a capoeira do senhor Silva. Não tem acessos nem
condições. Não há rampas, nem corrimões para nós, nem poleiros para os
galináceos.
-
Parece-me que há falta de acessibilidades em toda a parte – Interrompeu o
capuchinho -- No jardim aonde vou brincar, se quero beber água tenho que pedir
a alguém que me levante, porque o bebedouro é de tal forma alto, que nem a
saltar lhe chego.
-
E não existem outros sítios para brincares?
-
Nem sempre. Junto à casa de uma amiga havia um passeio largo, onde jogávamos à
macaca. Na última semana lembraram-se de fazer obras no edifício da frente, e
já não é permitido.
-
E não há mais passeios?
-
Haver há, mas tem sempre carros estacionados.
-
E no parque infantil ?
-
Está encerrado. A Autarquia foi obrigada a despedir o funcionário vigilante.
Muito centralizada nas suas atividades, o capuchinho vermelho, nem reparava nos ferimentos que o seu amigo ocasional tinha contraído. Até que ao ver o sangue, continuou:
-
Mas tu estás a sangrar, e por causa de mim. Afinal estou eu para aqui a contar
alguns problemas de cidadania e aqui na floresta, em contacto com a natureza,
as coisas também não vão bem. Pensei que a qualidade de vida, fosse melhor por
estas paragens.
-
Enganas-te minha amiga. Faz muito tempo que tenho esta gripe. E quando alguém
adoece, não temos direito a veterinário de família. Por aqui, há grandes
problemas de “florestania”.
-
Lá na cidade, ouvimos dizer que o lobo é um predador, passa vida a matar.
-
Pois é, mas matar para sobreviver é o meu destino. Quem é que de boa fé me pode
condenar por isso? Tomara eu, uma mini dose de qualquer coisa…e vocês…?! Não
matam vacas, porcos, galinhas, patos, perus…a fome é igual para todos. Não sei
quem é mais predador?!
-
Pois, lá isso é verdade. E a tua família onde mora?
-
A minha família está muito reduzida. O tempo das alcateias terminou.
-
Porquê?
-
O meu irmão morreu ainda jovem, a saltar de uma árvore. Meu pai morreu num
incêndio. Minha mãe nem a conheci. Minha esposa faleceu, capturada numa
armadilha. Os meus tios foram mortos por caçadores, que colecionam peles e troféus. Somos perseguidos e mortos,
sem qualquer piedade. Quer dizer, estamos em perigo de extinção.
-
Mas não havia uma Associação para proteger os direitos dos animais do bosque?
-
Havia, mas também se extinguiu tal como o Ministério do Ambiente.
Muito confundida e angustiada com a situação ambiental do lobo, o capuchinho, nem deu pelas horas a passar. De repente lembrou-se:
-
Olha amigo, não tenho grande ajuda para te oferecer, mas se quiseres, podes
comer uns doces que aqui levava para a minha avó.
O lobo comovido e grato pelo presente, disse:
-
Obrigado capuchinho, muito te agradeço, são para os meus dois filhotes
esfomeados, que estão mesmo aqui por baixo, escondidos numa toca.
Preparando-se para transportar o cesto com os dentes, o lobo estava a ser observado por um guarda florestal, que ao avistá-lo de longe, tão próximo do capuchinho, fez um mau juízo daquele cenário, julgando tratar-se de um assalto à lancheira, e antes que o lobo pudesse atacar também a criança, desferiu duas balas certeiras que deitaram o animal por terra e sem vida. O capuchinho, apavorado com tudo o que estava a acontecer, nem queria acreditar, abraçando num último adeus, o amigo que lhe tinha dado de beber.
Entretanto o guarda, alheio àquele envolvimento, chegando a correr, exprimiu a sua satisfação:
- Pronto, este já não faz mal a mais ninguém. Oh, capuchinho estás bem ?
- Claro que estou bem sr. Guarda, você é que não esteve nada bem.
- Como assim…?
- Bem que me avisou minha mãe, que podia
encontrar surpresas desagradáveis!.—retorquiu o capuchinho, deixando o seu
“salvador” incrédulo, com tamanha falta de gratidão.
- Mas eu salvei-lhe a vida. A minha missão é
proteger a comunidade de animais predadores.
- Será que me ouviu gritar por socorro?
- Não, isso não ouvi.
- Será que eu tenho algum arranhão ou
mordidela?
- Bem, não sei…!- Desde quando um animal que apenas procura matar a fome aos seus filhotes, é considerado predador?
- A menina é muito rebelde. Fique sabendo que
eu sou muito competente. Tirei a minha Formação com muito bons resultados.
- Falta-lhe um curso de florestania, sr.
Guarda.
- Um curso de quê?
- E já agora sr. Guarda, agarre na sua arma e
dê-lhe o acesso mais adequado que é o lixo. E depois vá caçar gambozinos, se
não estiverem também em vias de extinção.
- Gambozinos, não sei o que é. O meu trabalho
é capturar lobos. E estou a ouvir alguns latidos.
Eram os lobitos órfãos que alheios ao drama, chamavam pelos pais. O capuchinho apercebendo-se que a presença do guarda podia ser uma ameaça, sugeriu-lhe.
- Olhe senhor matador, porque não sobe até ao alto daquela fonte, para observar melhor a mata?
- Talvez tenha razão. Espere aqui que eu já
venho.
E enquanto o guarda distraído subia pela
encosta, o capuchinho dirigiu-se à toca, agarrou com cuidado maternal os
filhotes de lobo, colocou-os dentro do seu cesto e muito resoluta iniciou uma
fuga, que só terminou quando se abeirou da casa de sua avó.
Quando lá chegou, a anciã estava muito
preocupada com a demora de sua neta:
-
Capuchinho, estive à tua espera toda a tarde. O que trazes aí, e porque vens
tão triste?
-
São dois lobos bebés, minha avó.
-
E para que queres tu dois bichos selvagens?
-
Lembras-te minha avó, daquelas fábulas que às vezes me contas, e que eu tanto
gosto!
-
Sim, claro que lembro.
-
Pois desta vez, sou eu que tenho uma história de cidadania e “florestania” para
te contar. Olá se tenho…!
Prof. José Teixeira
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